Conselho da Petrobras vai interpelar Bolsonaro a respeito das declarações que deu nos últimos dias sobre a gestão da empresa

 

Foto | Pablo Jacob/Agência O Globo/08-02-2021

Jair Bolsonaro não enfrentou grandes obstáculos para aprovar no conselho da Petrobras a convocação de uma assembleia de acionistas para substituir o presidente da estatal, mas isso não significa que a troca de comando será tranquila. No final da manhã de hoje, os conselheiros decidiram por unanimidade interpelar o presidente da República a respeito das declarações que deu nos últimos dias sobre a gestão da empresa. Até mesmo os mais fiéis a Bolsonaro, como o presidente do colegiado, o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, chancelaram a iniciativa.

A decisão constará em ata e será comunicada ao jurídico da companhia. Desde que anunciou que substituiria o atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim da Silva e Luna, Bolsonaro deu entrevistas dizendo que o salário de Castello Branco é alto demais, que ele está há 11 meses em casa sem trabalhar e que a política de combustíveis da companhia é uma caixa preta. “Coisas erradas estão acontecendo”, declarou o presidente. Agora, a Petrobras vai pedir formalmente que o presidente da República confirme o que disse. Como a interpelação não tem caráter de ordem judicial, Bolsonaro pode não respondê-la. Isso porém, não impede que ele venha a ser processado pelo que disse. Na prática, a interpelação representa uma chance de ele se retratar, evitando maiores complicações. No fundo, nenhum conselheiro acredita que ele o faça.

A iniciativa é inédita na história da Petrobras e um tanto inusitada, já que, na qualidade de presidente da República, Jair Bolsonaro representa a União, o maior acionista da petroleira. Apesar de certo constrangimento entre alguns conselheiros mais próximos do presidente — e da preocupação de não dar à decisão caráter de enfrentamento com o governo —, todos concordaram que a interpelação é necessária, dado o dever do conselho de zelar pela imagem e pelas ações da companhia. Em razão dos prejuízos que o tumulto político provocou para a petroleira e seus acionistas, só nos últimos dias um juiz federal de Minas Gerais deu 72 horas a Bolsonaro para explicar as mudanças na estatal; a Comissão de Valores Mobiliários abriu duas investigações; o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu que a corte avalie e julgue a troca de comando na empresa; e investidores estrangeiros começaram a preparar ações coletivas contra a Petrobras nos Estados Unidos.

Vários conselheiros indicados pelo governo, que construíram carreiras no mercado financeiro ou em empresas privadas, se preocupam com as consequências dessas ações sobre seu patrimônio e sua ficha judicial. No final de semana, depois que Bolsonaro anunciou a troca, alguns desses conselheiros chegaram a se reunir com seus advogados pessoais para avaliar o risco de se tornarem réus e de eventualmente serem condenados e terem contas bloqueadas em função dessas ações. Embora não esteja sendo feita com esse fim, a interpelação de Bolsonaro pode vir a servir, no futuro, como uma resposta a questionamentos sobre a postura desses conselheiros diante das ações do governo federal e de seus efeitos sobre o patrimônio da Petrobras.

Blog Malu Gaspar – O Globo

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