Vitória de Biden exigirá que Bolsonaro faça mudança na política externa brasileira, dizem analistas

 



O democrata Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos, derrotando o republicano Donald Trump, que tentava a reeleição.

O resultado, projetado no sábado (07/11), representa um duro revés para o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que adotou como principal pilar da sua política externa o forte alinhamento com o atual presidente americano.

Contrariando princípio básico da diplomacia de não interferir em processo eleitoral de outro país, o governo Bolsonaro deixou evidente sua preferência por Trump, o que agora o coloca em situação delicada para negociar com o futuro presidente democrata.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a derrota da principal referência internacional de Bolsonaro deve exigir uma “reinvenção” de sua política externa, que abandonou a tradição brasileira pelo multilateralismo.

Além disso, esses analistas consideram que a vitória de um moderado nos Estados Unidos é um sinal negativo para o plano de reeleição do presidente brasileiro, que, assim como Trump, tem um discurso político agressivo e fortemente conservador.

No caso do americano, esse estilo acabou afastando parte do eleitorado que o elegeu em 2016, em especial mulheres. Também pesou para sua derrota a resposta do seu governo à pandemia do coronavírus. Trump optou por minimizar a gravidade da crise e promover medidas sem base científica, como o uso da cloroquina para tratar covid-19 — estratégia replicada por Bolsonaro.

“A perda do Trump impacta a narrativa de Bolsonaro junto a grupos ultraconservadores, à base evangélica. A ideia de criar uma nova frente conservadora mundial, que colocava Trump como salvador do Ocidente e do cristianismo, vai pro ralo”, acredita o cientista político e pesquisador de Harvard Hussein Kalout, ex-secretário de Assuntos Estratégicos durante o governo de Michel Temer.

Se Bolsonaro via em Trump um aliado na defesa de pautas conservadoras e se alinhava a ele em temas como o questionamento do aquecimento global e a defesa da família, vai encontrar em Biden uma posição bastante diferente.

“Governos democratas, de uma maneira geral, prestam mais atenção na agenda de direitos humanos, incluindo direitos raciais e questão ambiental. Biden não vai ser diferente. Se for, vai ser um pouco mais radical ainda (na defesa dessas pautas), porque a ala que o apóia dentro do partido é um pouco mais à esquerda do que ele seria”, afirma a consultora Vera Galante, que atuou por 19 anos como assessora cultural na embaixada dos EUA em Brasília e hoje preside a Empower Consultoria em Análise Estratégica e Risco Político.

Biden toma posse como presidente em 20 de janeiro. Ele chega à Casa Branca com a experiência de ter sido vice-presidente de Barack Obama (2009-2016) e senador por décadas.

Biden já citou possível retaliação ao Brasil por desmatamento

A questão ambiental deve ser um foco de tensão importante entre a gestão Bolsonaro e o democrata. O novo presidente chegou a citar a possibilidade de retaliar o Brasil economicamente, caso o país não aceite apoio externo para aumentar a preservação.

A ameaça ocorreu em setembro durante debate com Trump, momento em que grandes queimadas de florestas no Pantanal e na Amazônia repercutiram globalmente.

Na ocasião, Biden disse que “começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia”.

“(A comunidade internacional diria ao Brasil) aqui estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”, afirmou ainda.

Questionado na semana passada pela BBC News Brasil sobre a fala de Biden, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, disse que “qualquer iniciativa que possa nos trazer algo para nos ajudar nessa área é bem-vinda, desde que naturalmente seja feito na base de cooperação e colaboração e que o Brasil lidere a discussão no tema, afinal estamos falando do território brasileiro”.

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