Faxineira de túmulos leva rotina da profissão às redes sociais e sonha com carreira de influencer

 

Hoje com 25 anos, Jaqueline Alves Rodrigues começou há 13 anos na atividade que é uma tradição da família

Por Sérgio Pais, g1 Bauru e Marília

A jovem Jaqueline Alves Rodrigues já passou mais da metade de sua vida numa atividade profissional que é uma tradição de sua família, em Marília (SP): há 13 anos, ela ganha a vida como “faxineira de túmulos”. Agora, aos 25 anos, ela conta ao mundo por meio das redes sociais o cotidiano de sua profissão e já sonha com uma nova carreira, a de influencer digital.

A atividade inusitada, que começou a desempenhar ao lado da avó quando a mãe ficou doente, atualmente é feita justamente com a mãe, que se recuperou de uma grave tuberculose intestinal. Uma tia também atuava no ofício de limpar túmulos no Cemitério da Saudade e a família se consolidou nesta área.

“Quando eu tinha uns 12 anos minha mãe ficou muito doente e precisei morar com a minha avó, que já trabalhava em cemitérios limpando túmulos. Pra ajudar no sustento da família, comecei a acompanhá-la na faxina de túmulos e também a seguir o meu avô, catando recicláveis”, conta a jovem, que também fez bicos de babá e faxineira.

Jaqueline e a mãe, Débora, no Cemitério da Saudade de Marília: “Trabalho aqui para ajudar minha mãe e por meus sonhos”

Nesta terça-feira, 2, de Finados, feriado para muitas pessoas, o dia é de trabalho árduo para Jaqueline, que garantiu alguns túmulos extras para limpar, contratada de última hora por famílias que não queriam “fazer feio” no dia de maior movimento no principal cemitério da cidade do interior de SP.

Quando começou a ficar conhecida na cidade em sua profissão e a ser questionada por amigos sobre a “doideira”, como ela mesmo define, de ter o cemitério como local de trabalho, Jaqueline se transformou em Jaque.Alveres e criou perfis nas mídias sociais para falar de seu cotidiano profissional pouco comum.

“No Instagram, as pessoas começaram a perguntar: ‘Voce é doida de trabalhar num cemitério?’. Daí resolvi começar a contar o meu dia-a-dia, como era o meu trabalho, e a coisa cresceu. Hoje falo de tudo em minhas redes, falo de cachos, de beleza, de dicas, do dia-a-dia real, e claro, da faxina de túmulos”, explica a jovem, agora com o discurso de influencer.

Redes sociais e “bicos”

Jaque ganhou seguidores, sua história rompeu barreiras – foi contada até em matéria no Weltspiegel, um dos principais sites de notícias da Alemanha – e ela resolveu sonhar com a carreira de influencer digital.

Atualmente, Jaque tem cerca de 10 mil seguidores no Instagram e pouco mais de 900 assinaturas na sua página YouTube, até a manhã desta terça-feira, quantidades ainda insuficientes para que ela comece o que os influencers chamam de “monetizar” suas redes, ou seja, ganhar dinheiro por meio das plataformas.

Como Jaque Alveres, a mariliense de 25 anos se aventura no look de influencer digital

“No ‘Insta’ já consegui alguma coisa, mas sempre com permutas e coisa parecida. Já no YouTube nem dá pra pensar em monetizar antes de superar a marca de 1k [mais de 1 mil seguidores]. Mas vou seguir mostrando minha rotina no cemitério e acreditando que vai dar certo”, diz Jaque.

Como ainda não ganha a vida como influencer, a jovem segue faxinando túmulos e fazendo outros bicos, como o de monitora em buffet infantil.

“Ganhamos pouco [na faxina de túmulos], de R$ 30 a R$ 40 mensais para limpar o túmulo uma vez por semana, não dá pra sobreviver só disso. Ainda preciso ajudar minha mãe, que trabalha com isso mesmo tendo uma bolsa de colostomia que está com dificuldades para retirar por falta de vagas no SUS. Então, faço os bicos, pra ajudar minha mãe e porque ainda tenho outros sonhos”, diz a jovem.

Carteira de trabalho em branco

Diante da pouca rentabilidade da limpeza de túmulos e da instabilidade da vida de “bicos”, Jaqueline mantém o sonho de “estrear” a sua Carteira de Trabalho, ainda em branco na parte de registros profissionais. Ela admite que a baixa escolaridade é um obstáculo para conseguir o tão sonhado primeiro emprego.

Jaqueline com a sua carteira de trabalho ainda em branco: “A baixa escolaridade é uma dificuldade pro primeiro emprego”

Mas mesmo sem a escolaridade completa após ter deixado os estudos na 5ª série e ter trancado o supletivo durante a pandemia, a jovem admite ainda sonhar com o retorno aos bancos escolares para fazer cursos que deem sustentação à sua atuação nas redes sociais, como informática ou design gráfico.

“Nunca tive medo de trabalhar no cemitério, de encontrar fantasmas ou almas penadas. Tenho medo apenas dos vivos e por ficar muitas vezes sozinha num local isolado. Por isso, me sinto com coragem para buscar meus sonhos e de me tornar uma youtuber ou influencer”, diz Jaque.

Fotos: Arquivo pessoal 

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